quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

De quando criamos a história...

(Imagem: René Magritte)

Desejo seu desconhecido
E você ao meu.
Tão inventado e colorido
Quanto pintam as memórias
Quanto criamos histórias.
Recrio seu gosto
Seu tato
Seu olhar surreal
Seu núcleo mole
Seu cheiro casual
Sei de cor um milhão de coisas
Que sei que não são - ou são.
Desejo ser doce, caber nos seus inventos
Ter o tamanho certo.
Te crio com margens de segurança,
Pra cá ou pra lá
Invento um personagem que cria a si mesmo
Que tem vontades que eu não sei
Ele me mostra no tempo
De cada frase
Tiro um tom
Crio uma sonata,
Nada, crio um soneto.
Crio um espelho que me engole
E já não tenho rosto
Tenho o tamanho exato do sonho que imagino
Tenho o tamanho do vento que invade suas janelas
Sussuro o anseio do encontro
E é em breve
Medo de viver um sonho
Agora com corpo e vontade
Agora no tamanho dele
No  andar puro...

Temo me ver em seus olhos
E derreter meu coração.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Chove fino

Chove fino
E chove também no corção
Leve é a sensação da partida
E do reencontro
Desejo num encontro de nuvens
Num disparar incompreendido
Palavras na chuva
Gotas maiores sem sentido ou paixão
Molham frase por frase as inexatas batidas
O corpo clama
A alma em corrente
A voz se cala
Tudo gira no infinito
Tudo dança
Corre do céu ao chão num diparate
Corre a memória
Rasgada, esquecida
O peito podia mover
Mas preferia querer
Queria tão forte
Que queria não o fazer
Espera , no cantinho, nunca no centro
Espera encolhida
Num desejo de sol
Num desejo de pouso, reencontro
Tantas mudanças
Tantas lembranças
Que confusão é sair
Que tentação é voltar
Fica
E tudo tem seu lugar

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

As palavras são por si só


 
As palavras são por si só coisas que talvez eu não queira dizer
O sentido fica dito no intervalo que escuta
Suave proferir, quando dos gritos ouço apenas abafado
Murmuro o que te digo pra talvez esvaziar
Pulsa lá por dentro um neologismo vulgar...
Cada palavra que me encanta aprisiona entendimento
E ecoa no abismo que a faz nascer
Delicadamente viram formas, o que queria lhe escrever
Quando baba a língua empurra o que eu cuspo em você

O que não é dito excede a barreira estática do entender
Invento o que te resignifica com a força de romper
Quando me perco entre o mundo e o que acabo de dizer.

Rafaela Ferreira / 2008

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Na praia

Fui a praia em ipanema hoje. A tarde estava gostosa, o mar estava quente e leve, como um repousar marinho. Um descanço pras ondas, tão mansas...
Depois de mergulhar, quando a mãe eo seu sal  já limparam tudo. Sento-me confortável.
De súbito um serzinho impressionante me questiona:
Me dá 2 reais que eu escrevo seu nome no arame?
Apressadamente meu amigo se adianta em explicar que não desejamos nada.
Mas o olhar daquele serzinho invadiu meu coração. Ele era tão pequeno, sua pele vermelho terra, seus olhinhos brilhosos e amendoados...
Era impossível não desejar sua arte e trocá-la por um sacolé, era por isso que criava!
Pedi então que escrevesse no arame: Rafaela.
Ele disse que poderia me fazer uma florzinha a cima do nome.
Sorri consentindo.
Ele me entregou meu nome escrito num arame dourado.
Mas não havia uma flor, havia ali a graça que me olha todos os dias.
Ele me sorriu, como me sorri o infinito: uma estrela inevitável.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Reinstaurando a exatidão atemporal das fronteiras


Que as palavras tenham o tempo necessário
Que os sonhos sejam bons e o sono ótimo
Que Beatriz se case
Que Fernando esteja pleno
As cachoeiras desaguem, os rios corram
Que meus olhos se fechem e se abram e sempre encontrem a luz
Que o medo venha e fuja
As dores cessem e morram
As plantas cresçam e frutifiquem
O sexo pulse em profusão
As vozes gritem
As ideias corram e renovem-se
Que a vida viva com ar nos pulmões
Os peixes cantem, os gatos pitem, as aves componham
E tudo esteja no lugar certo.
Boa noite!
Rafaela Ferreira
A despedida é o fruto invisível da mudança
Me deparo com ela agora
Desato os laços
Sem paradeiro referente
Com alguns sonhos novos na bagagem
Despeço-me dia-a-dia
Na certeza da bonança vindoura
Vou na direção exata
Vou no vento e trago a busca como vontade
Vem a novidade
E mesmo sem conhecê-la a amo!
Faltam peças ainda pra montar a foto nova da casa
Cada dia surge uma sorrateira e reluzente

Amanhã vou à praia, anuncio.
Mas não sei se o sol irá também
Há tanto pra se ver e conhecer que duvido de sua ausência.

O corpo ainda pena as próprias chagas
É preciso uma mudança no pensamento, no físico
A matéria necessita reformular-se, diminuir-se
Tornar-se compacta e transportável
Quero ser portátil. Me porta?

Descubro um outro vir
Venho a ti e a mim mesma
Reescrevo contigo e tudo faz mais sentido
Seja feita a vossa vontade
Seja honrada a inspiração
Procrio seus meios
Copio novas e deconhecidas criações
Copio a mim mesma num reflexo contemporâneo de encaixe

Sonho com o outro, com o novo
Encontro pedaços, são muitas peças, é infinito
Agora aprendo e recebo
Abro as pernas e gozo o mundo

Dou passos, esses fazem carícias
Caminho ao teu lado, errado
Caminho no teu caminho
No caminho da vida eterna de satisfação

A falta nos move, me falta ar
Respiro e me encho da tua presença
Possuo pois posso!
E materializo sua prosperidade
Rasgo o medo ao meu
E detono meu gatilho
Sorrio ao novo
E o infinito me sorri uma estrela inevitável.



Rafaela Ferreira - Novembro/2010 

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Dos micros que compõe a poeira

Bem vindos queridos leitores!
Tanto demorei para começar esse blog, que acho justo começar com uma poesia antiga, no tempo das turbulências emancipadas:


Um pigar de gotas
E cada vez um som
Notam-se frágeis os acordes expectivamente eloquentes
Cada pensamento pinga e forma ondas proporcionalmente indiferentes as sensações
Dos medos, tomo-me inteira
E como sempre trago à tona frustrações
Não quero-me forte como pintavam-me na pintura
Muito menos incompacta, sei lá
Quero ver-me novamente no espelho d'alma
Refletir os rabiscos tortuosos que expressam
Calar as vozes dispensáveis
E ouvir as ondas que cortam
Porque já cansei de gritar no vazio
Já se foram os olvidos


Quero ouvir-me
Pra ouvir-te
Pra talvez calar-te


Ser sincera com o que nasce, expor
Mas sinto-me falando outra língua
Temo as frases vomito garganta a fora
As vezes engulo,
É como regugitar o intragável.
E desses tons agudos e irritantes que pingam agora
Encontro a falta, tolida


Quero falar do universo que explode
Mas seus olhos fincaram-se nos jogos inventados de trivialidades
E a garganta secou, consequência das repulsas


Essa sensação de ser única
Impermanentemente Eu
Diferente de todas as outras coisas existentes
Cheia de impecílios pra lidar com iguais
É sensação cruel de solidão em si mesma
E de potência desbravadora de ser


É notar-se mínima,
Completamente dispensável pro funcionamento do macro organismo, passageira
E capaz de agir sobre a realidade ireal que se vive
É vêr-se nada, prepotente de dúvidas e verdades absolutas
Mutando a cada dia, nos ciclos que seguem correndo
Devindo de ar em ar, de momento em momento
Nas poeiras micro, e nos micro que compõe as poeiras e nos compõe e cruzam-se, mudam-se, renovam, criam... Assim minimamente única.


Rafaela Ferreira/2008