Sempre gostara de caixinhas de música e bonecas coloridas, mas há tempos forçava-se a saltos altos e decotes profundos. Não que não gostasse das sutilezas femininas, mas é que a criança não podia ficar escondida no baú, nem comandar euforias e fricotes. Ela precisava, e todas precisam, ter e conhecer seu espaço.
Então, dedilhava como quem cantarola: histórias, notinhas, memórias.
Olhava o céu noturno, desejando as estrelas, cantando baixinho o que sonhava pra elas. Aquele céu a acolhia como uma grande mãe, que nos braços guarda o mundo.
Dançava com as mãos, os olhos, os cotovelos. Gostava era da bagunça das cores vivas e intensas, das correrias, dos gostos de nuvem de algodão. Apreciava os cafunés, os focinhos gelados e os quentes, os aconchegos de edredom, as casquinhas dos doces, os chocolates derretidos, os espaços entre as palavras, os sussurros dos contos de madrugada, os cochichos das apaixonadas. Gostava de amanhecer e anoitecer, amava cada gota, cada milímetro. Pisava nas poças d’água, cumprimentava os cachorros e muitas vezes esquecia os donos.
Sonhava com casinhas e arco-íris, e por achar que tudo era bom, agradecia.
E sempre que a moça alta e decidida tinha medo ou ameaçava entristecer voltava pro peito, relembrava aquele gosto de quem nunca cresce, e permanece dentro intacta e serelepe. E desse modo podia escolher qualquer decote, qualquer sapato pois levava as estrelas no sorriso e o céu na boca.